Um Mistério de Eleição: 9 de Novembro de 1732

Já que andamos muito à volta de Paulo, Apóstolo, será interessante lermos esta passagem na qual fala da sua própria experiencia aos gálatas: «Mas, quando aprouve a Deus - que me escolheu desde o seio de minha mãe e me chamou pela sua Graça - revelar o seu Filho em mim, para que o anuncie como Evangelho entre os gentios» (Gal 1,15-16). Na carta aos Efésios encontramos o Apóstolo a falar da mesma experiencia: «A mim, o menor de todos os santos, foi dada a graça de anunciar aos gentios a insondável riqueza de Cristo». (Ef 3,8)

Em ambas as passagens Paulo interpreta o seu encontro com Jesus o Ressuscitado (que acontece por pura Graça, ou seja, não de um modo automático ou natural) em função da Missão de anunciar o Evangelho aos gentios, aos não-pagãos. Ou seja: o encontro com o Ressuscitado tem em si o Envio, a Missão; sem esta, não há Encontro.

Algo de muito próximo encontramos nos Profetas de Israel: estes, ao contrário dos reis e sacerdotes do templo, não recebiam a profecia como uma profissão herdada, de pais para filhos, não são naturalmente profetas, nem são profissionalmente profetas. Há um Acontecimento nas suas vidas, um Acontecimento Novo, Diferente: a Palavra de Deus. Encontramo-lo, por exemplo, em Amós: «Eu não era profeta, nem filho de profeta. Era pastor e cultivava frutos de sicómoros. Senhor pegou em mim, quando eu andava atrás do meu rebanho, e disse-me: ‘Vai, e profetiza ao meu povo de Israel» (Am 7,14-15). Deste Encontro com a Palavra, uma Palavra que leva o Profeta a ver com olhos novos a sociedade do seu tempo, surge a Missão.

É o que encontramos em Isaias, num texto de grande beleza:
«No ano em que morreu o rei Uzias, vi o Senhor sentado num trono alto e elevado; as franjas do seu manto enchiam o templo. Os serafins clamavam uns para os outros: «Santo, santo, santo, o Senhor do universo! Toda a terra está cheia da sua glória!»
Então disse: «Ai de mim, estou perdido, porque sou um homem de lábios impuros, que habita no meio de um povo de lábios impuros, e vi com os meus olhos o Rei, Senhor do universo!» Um dos serafins voou na minha direcção; trazia na mão uma brasa viva, que tinha tomado do altar com uma tenaz. Tocou na minha boca e disse: «Repara bem, isto tocou os teus lábios, foi afastada a tua culpa, e apagado o teu pecado!»
Então, ouvi a voz do Senhor que dizia: «Quem enviarei? Quem será o nosso mensageiro?» Então eu disse: «Eis-me aqui, envia-me.»
(Is 6,1-8)
Do encontro com a Santidade de Deus, com o seu Amor que ultrapassa radicalmente as nossas concepções e esquemas, uma Santidade que nos purifica e transforma, surge o Envio.

Deus actua na história do seu Povo e da sua Humanidade sempre através de Mediações. É o mistério da Eleição: quando alguém faz uma experiencia Nova de encontro com o Amor de Deus, torna-se mediação, testemunho, voz profética desse Amor para uma multidão de homens e mulheres. Ao Eleger alguém, Deus não está a amar mais a alguém, mas está a amar a uma multidão de pessoas que saem beneficiadas no encontro com esse alguém. É assim com Abraão, com Moisés, os Juizes, Profetas, Apóstolos, Jesus de Nazaré… e será com Afonso também.

Num texto que foi tão importante para a vida de Afonso, Jesus reconhece a sua Consagração para uma Missão, Consagração pelo Espírito: «O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu para anunciar a Boa-Nova aos pobres; enviou-me a proclamar a libertação aos cativos e, aos cegos, a recuperação da vista; a mandar em liberdade os oprimidos, a proclamar um ano favorável da parte do Senhor.» (Lc 4,18-19). Jesus interpreta a sua relação única com o Pai numa linha de serviço e entrega na qual uma multidão sai beneficiada: «Também o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida para resgatar a multidão.» (Mc 10,45).

Será por esta entrega de Serviço que Paulo encontra a Glorificação da vida de Jesus (ao contrário da desobediência de Adam): «Ele, que é de condição divina, não considerou como um privilégio ser igual a Deus; no entanto, esvaziou-se a si mesmo, tomando a condição de servo. Tornando-se semelhante aos homens e sendo, ao manifestar-se, identificado como homem, rebaixou-se a si mesmo, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz. Por isso mesmo é que Deus o elevou acima de tudo» (Flp 2,6-9)

Quando, a 9 de Novembro de 1732, entramos na hospedaria da cidade montanhosa de Scala, no sul de Itália, onde Afonso e 5 companheiros (que sairiam meses depois, deixando Afonso sozinho com Vito Curzio) celebram o inicio desta família de missionários chamada Congregação do Santíssimo Redentor (um nome que só seria confiado 10 anos depois), é deste mistério que falamos. Mistério de Eleição. Mistério de um Deus que, por Amor, por um Poder de Amor, consegue a partir de um homem beneficiar uma multidão de pessoas. Um homem que interpreta sempre a descoberta e o Encontro com Jesus no sentido da missão, da entrega. Um homem que, por um ouvido, escuta a Palavra do Evangelho que o transforma e, pelo outro ouvido, escuta o clamor dos pastores de Scala a quem o Evangelho não é anunciado.

E dessa escuta fiél brota a Fecundidade do Espírito que gera uma Família na Igreja, uma Família de gente transformada e transformante pelo Reino, uma Família que celebra 276 anos. Parabéns, companheir@! E que a Palavra continue a atravessar a tua vida conduzindo-te para a fecundidade do Reino…

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