Um novo Caminho de Seguimento

No ano de 1730, com 4 anos de missão como padre em Nápoles a um ritmo ininterrupto, Afonso fica gravemente doente. Um problema nos pulmões, que quase o leva à morte. Para se restabelecer, os médicos recomendam-lhe que “mude de ares”, passando uma temporada numa aldeia a sul de Nápoles, de nome Scala.

Aí, Afonso contacta com uma nova realidade: a de pastores e camponeses, perdidos nos montes, sem qualquer acompanhamento espiritual. Ali, a poucas dezenas de quilómetros de Nápoles, onde não faltavam padres! Terá experimentado Afonso o que um dia experimentara Jesus: “contemplando a multidão, encheu-se de compaixão por ela, pois estava cansada e abatida, como ovelhas sem pastor” (Mt 9, 36). Apesar de lá ter ido para descansar, Afonso vê-se “obrigado” a catequizar, escutar e confessar aqueles pastores, e celebrar eucaristia, o que era uma novidade naquelas paragens! Sente-se revoltado por, com tantos padres em Nápoles ociosos em casa de suas famílias, nenhum se dirigir para aqueles pastores. Pois, para se viver no meio deles, ter-se-ia que ser pobre como eles…

Afonso regressa a Nápoles pouco depois, mas o seu pensamento e o seu coração ficaram em Scala. O seu zelo apostólico, a sua necessidade absoluta de anunciar o Evangelho onde mais ninguém o fazia, era muito forte. Tal como dizia S. Paulo, “se eu anuncio o Evangelho, não é para mim motivo de glória, é antes uma obrigação que me foi imposta: ai de mim, se eu não evangelizar!” (1Cor 9, 16)

Não que Afonso não fosse útil em Nápoles! Quando lá regressa, regressa para continuar a não perder um minuto que seja (quando jovem, fizera o voto de não perder um único minuto da sua vida; de facto, tudo o que fazia, mesmo o descanso, estava em função do anúncio do Evangelho). Mas, em Nápoles, havia outros padres zelosos, ainda que poucos, que o podiam substituir; em Scala não.

Ao longo de toda a história da Igreja, sempre houve homens que, pela sua entrega ao Evangelho, se viam na necessidade de abrir novos caminhos, de dar, em nome da Igreja, respostas novas ao mundo. Desde S. Bento, S. Francisco de Assis, S.ª Teresa, etc. Também Afonso experimentou que a Igreja que ele amava não estava, no seu tempo, a dar respostas às populações pobres e rurais de Itália. Alguém tinha que, em nome de Cristo e da Igreja, dar essa resposta, ser Apóstolo, Enviado. Afonso sem dúvida era a pessoa mais indicada porque era a pessoa mais disponível para que o Espírito Santo o consagrasse para essa missão. Mas certezas nunca as temos nestas alturas importantes: Afonso passou por momentos difíceis, em que se sentia tremendamente dividido.

Duas figuras foram fundamentais para servirem como mediações junto de Afonso da vontade de Deus: uma freira, Maria Celeste Crostarosa, que em 1731 fundaria um instituto feminino de contemplação, precisamente em Scala. A outra figura era o bispo de uma diocese vizinha à de Scala, Dom Falcoia, que auxiliaria Crostarosa na sua fundação. Ambos irão incentivar Afonso para que avance neste projecto pelo Evangelho.

Afonso consulta os seus superiores nas missões, padres sábios que lhe são queridos… e reza, e muito. Quer ter a certeza de que é a vontade de Deus esse novo projecto. Hoje podemos ter a certeza absoluta de que era e é, quando olhamos para a longa e fecunda história da Congregação do Santíssimo Redentor. Mas, na altura… Não podiam haver certezas. Em 2 anos, Afonso reflecte, ao mesmo tempo que não pára de trabalhar. Mas, finalmente decide-se, e arrisca. A 2 de Novembro de 1732, sai de Nápoles rumo a Scala, montado também num jumento… No seu dizer, seria a sua segunda conversão. E, a 9 do mesmo mês, Afonso, juntamente com o bispo Falcoia e outros seis padres, celebram eucaristia em Scala. Nasce o que por enquanto se chama Instituto do Santíssimo Salvador.

Mas o começo não poderia ser mais agitado. Os padres discutem entre si pequenos pormenores quanto à vida do Instituto. Todos têm espírito de fundadores. A 28 de Novembro, Afonso faz o voto, no seu diário, de que, aconteça o que acontecer, nunca abandonará o novo Instituto. Proíbe-se a si próprio de colocar dúvidas. Só se Deus lhe pedir para desistir… Mas bem sabemos que Deus nunca brinca connosco, nem é capaz de “voltar atrás”… Na Páscoa de 1733, Afonso será o único que permanece, apenas acompanhado de um irmão, de nome Vito Curzio, que entretanto entrara. Também Jesus fizera essa experiência de abandono, no Getsêmani. Mas isso não o impediria de ir até ao fim, sabendo que sairia vitorioso…

Como é que se desenvolve a vida deste incipiente Instituto, com apenas um padre e um irmão?
Em Scala, estabelece-se o que Afonso chama a “missão permanente”: quando não está fora, Afonso evangeliza os habitantes, cria ritmos de oração, meditação, celebração… Conduz as pessoas a criarem o seu próprio ritmo, e a aldeia depressa se centra na igreja do novo missionário. No jeito próprio de ser da Congregação, os missionários devem estabelecer-se fora das cidades, desenvolvendo um trabalho contínuo de evangelização nos locais. Uma dinâmica extra-ordinária… todos os dias!

Afonso inicia uma família dentro da Igreja de missionários que, vivendo em comunidade, ao jeito dos Apóstolos (cf. Act 2, 42-47), anunciem o Evangelho em aldeias e vilas, aos mais abandonados da Igreja. São as chamadas “missões populares”. Estas desenrolam-se num local, e duram desde 15 dias a um mês, a um ritmo intenso de catequização, oração e celebração. Mas a preocupação de Afonso não é “levantar o pó”, para que depois nada mude; os missionários deverão ficar num local o tempo que for preciso para uma verdadeira conversão. E para que, como no caso das “Capelas do Entardecer”, fique um verdadeiro ritmo comunitário, após a saída dos missionários.

Além disso, era prática comum as missões desenvolverem-se em grandes centros, vilas e cidades, esperando os missionários que as pessoas das aldeias vizinhas se dirigissem a eles. Mas as distâncias eram insuperáveis. Afonso muda a lógica: as missões têm que se desenvolver nas mais pequenas aldeias, muitas vezes sem pároco. São estes os abandonados a quem Afonso se dirige.

Mas Afonso continua sozinho. Não importa! Trabalha sozinho nas missões nas redondezas, por vezes auxiliado por padres externos. Vito Curzio, quando está sozinho em casa, em Scala, não deixa de tocar o sino para reunir a comunidade (que não existe) para a capela ou o refeitório. Sinal da esperança no Deus que é Fiel. E, ao longo do ano de 1733, outros se vão juntando. No final do ano serão 5 a formar comunidade, entre os quais Sarnelli, que dividirá a sua vida entre as missões na Congregação e o seu trabalho em Nápoles.

Afonso e os seus companheiros levam uma vida com dois ritmos, tal como a nossa respiração: a inspiração, 6 meses por ano, na altura do Verão, em que levam uma vida comunitária de oração, meditação e estudo; e a expiração, nos outros 6 meses: um ritmo sem parar de missões e trabalhos apostólicos. E a Congregação expande-se, com a fundação de novas casas… Para além das missões, as casas da Congregação recebem padres e religiosos, ou apenas leigos, para retiros espirituais. É a missão permanente.

Mas vivemos num contexto difícil. O Estado está extenuado de tantos religiosos, e é céptico a novas fundações. Porque é que esta Congregação sobrevive? As suas características são especiais, como as várias que já apontamos sobre Afonso.

Estamos num tempo e num contexto em que a religiosidade vive muito de experiências sensíveis e emotivas. Afonso contraria-o. Privilegia a evangelização e a catequese, como base sólida para uma verdadeira conversão. Não tenta a conversão pelo medo, comum na época, mas, respeitador da liberdade humana (estamos no século XVIII, o “século das luzes”, o século da consagração das liberdades e direitos do Homem; Afonso é um dos seus filhos) procura converter “a inteligência e o coração”. A última palavra é sempre a da pessoa, que decide acolher o Espírito Santo, ou não. Quando o costume era provocar grandes manifestações após as pregações, Afonso propõe o silêncio orante… E, claro, sempre a linguagem simples e esclarecedora, e o anúncio central de Cristo crucificado e ressuscitado como prova plena do Amor de Deus.

Afonso chama a atenção para a necessidade da oração. Introduz as pessoas na sua prática, ajudando-as com músicas e pequenos textos da sua autoria. Dá instruções aos seus missionários para, quando só puderem falar acerca de um tema, escolham sempre a necessidade da oração. É um napolitano de gema: a sua afectividade vem sempre ao de cima. Ensina as pessoas a tratarem a Deus com simplicidade, familiaridade e muito, muito amor. Já que Ele é o Emanuel, o Deus-connosco. Quando os missionários se vão embora, as pessoas devem continuar a juntar-se na capela, todas as noites, e em casa, em família… É a chamada “vida devota”. Acolhe a todos no confessionário e na eucaristia, num tempo de grande rigorismo moral.

Nas missões, como na vida, impõe a pobreza evangélica aos missionários. As missões não podem constituir um peso para as pessoas, por isso a proibição de aceitar pagamentos ou doações. O contexto também o ajudava, dada a pobreza das terras de missão. Pobreza material, mas também liberdade de espírito: os missionários, no final das missões, saíam das aldeias de madrugada, para que as pessoas não dessem conta e não manifestassem a sua tristeza.

A graça principal, para Afonso, é a da perseverança. A missão deveria continuar após a saída dos missionários. Estes deveriam voltar passados poucos meses, para renovar a missão. Tudo pela verdadeira conversão de vida das pessoas. Por isso a importância que atribuía à oração. Também a apelará aos seus irmãos na Congregação: todos deveriam fazer o juramento de perseverança quando entrassem para, nos momentos difíceis, se firmarem na “rocha firme”.

Afonso será missionário em tudo o que faz. Como pregador, confessor, líder. E como escritor. Estima-se que escreveu 111 obras, entre pequenos textos de poucas páginas sobre algum tema de fé ou como apoio à oração, até à sua maior obra, a Teologia Moral, que o faria ser aclamado, no séc. XIX, como Doutor da Igreja. Afonso tem uma grande experiência como catequista, e como nobre versado nas letras. As suas excepcionais qualidades, porque permite que o Espírito Santo as consagre, tornam-se carismas, dons para toda a Igreja. Obras suas de espiritualidade seriam editadas e traduzidas centenas de vezes, e é sem exagero que dizemos que a sua espiritualidade foi uma das bases da vida cristã até meio do séc. XX.

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