Jesus, o Servo Fiél


É neste contexto de Aliança e presença de Deus como Redentor do seu Povo que Jesus compreende a sua missão e os Evangelhos a lêem. «Pois este homem não veio para ser servido mas para servir e dar a sua vida como resgate por todos» (Mc 10, 45). Jesus faz a experiência, guiado pelo Espírito Santo que o habitava, de possuir uma missão especial: é o portador de todas as promessas messiânicas, nele acontece a plenitude dos dons de Deus ao seu Povo. Está inaugurado o Reino de Deus: «Se eu expulso os demónios com o dedo de Deus, è porque chegou a vós o Reino de Deus» (Lc 11, 20).

Toda a vida e ministério de Jesus são a proclamação e realização da salvação prometida por Deus. É essa a linguagem dos milagres: numa época pré-cientifica, todas as doenças são consideradas expressão do mal, fruto do pecado, pessoal ou dos antepassados: «Mestre, quem pecou, para que nascesse cego: ele ou os seus pais?» (Jo 9, 2). Eram, por isso, causa de separação e exclusão da sociedade, e considerados impuros pela lei cultual. Mas Jesus aproxima-se, relaciona-se, toca e deixa-se tocar: «Um leproso se aproximou dele, prostrou-se diante dele e lhe disse: Senhor, se queres podes curar-me. Ele estendeu a mão e o tocou, dizendo: Quero, fica curado» (Mt 8, 2-3).

A linguagem da cura é a linguagem da Redenção, do perdão dos pecados que liberta o Homem e o conduz a uma vida nova: «Que é mais fácil dizer ao paralítico: "Os teus pecados estão perdoados", ou dizer: "Levanta-te, pega na tua cama e anda"? Pois bem, para que saibais que o Filho do Homem tem poder na Terra para perdoar pecados - disse Jesus ao paralítico - Eu te ordeno: Levanta-te, pega na tua cama e vai para casa». O paralítico então levantou-se e, pegando na sua cama, saiu à vista de todos. E todos ficaram muito admirados e louvaram a Deus, dizendo: «Nunca vimos uma coisa assim!» (Mc 2, 9-12).

Jesus é o Redentor, aquele que se entrega ao serviço dos que não tem direitos, dos que não tem ninguém que os defenda. Mateus atribui-lhe a missão do Servo de Iavé de Is 53: «Ele assumiu nossas fraquezas e carregou nossas enfermidades» (Mt 8, 17). Quando Jesus fala de dar a sua vida, de se entregar, fala desta missão junto dos pobres e abandonados. Assumiu também a vocação profética de denunciar as causas e estruturas que tornavam pesada a vida do povo com quem lidava: as intermináveis prescrições legais, a corrupção das classes superiores que colaboravam com o poder romano, etc. «Jesus respondeu: «Ai de vós também, doutores da lei! Porque impondes sobre os homens cargas insuportáveis e vós mesmos não tocais essas cargas nem com um só dedo. Ai de vós, porque construís túmulos para os profetas; no entanto, foram os vossos pais que os mataram» (Lc 11, 46-47).

É à luz desta liberdade com que Jesus vive o seu ministério que devemos ler a sua morte violenta. Certamente Jesus sabia que estava a colocar “a cabeça na boca do lobo”. A liberdade com que lida com a questão do Sábado: «Jesus entrou de novo na sinagoga, onde estava um homem com uma mão ressequida. Havia ali algumas pessoas a espiar, para verem se Jesus ia curá-lo em dia de sábado, e assim poderem acusá-lo. Jesus disse ao homem da mão ressequida: «Levanta-te e vem para o meio». Depois perguntou aos outros: «O que é que a Lei permite no sábado: fazer o bem ou fazer o mal, salvar uma vida ou matá-la?» Mas eles não disseram nada. Jesus então olhou ao seu redor, cheio de ira e tristeza, porque eles eram duros de coração. Depois disse ao homem: «Estende a mão». O homem estendeu a mão e ela ficou boa. Logo que saíram da sinagoga, os fariseus, com alguns do partido de Herodes, fizeram um plano para matar Jesus» (Mc 3, 1-6).
O acto que faz no átrio do Templo, relatado pelos quatro evangelistas: «Chegaram a Jerusalém. Jesus entrou no Templo e começou a expulsar os que vendiam e os que compravam no Templo. Derrubou as mesas dos cambistas e as cadeiras dos vendedores de pombas. Ele não permitia que se transportasse qualquer objecto através do Templo. E ensinava o povo, dizendo: «Não está nas Escrituras: "A minha casa será chamada casa de oração para todos os povos"? No entanto, vós fizestes dela um covil de ladrões». Os sumos sacerdotes e os doutores da Lei ouviram isto e começaram a procurar um modo de O matar. Mas tinham medo de Jesus, porque a multidão estava maravilhada com os seus ensinamentos» (Mc 11, 15-18).

Jesus identifica-se numa Tradição profética com cores de violência. Desde Jeremias a João Baptista, muitos foram os “servos” enviados por Javé ao seu Povo e que não foram acolhidos: «Naquele momento, alguns fariseus aproximaram-se e disseram a Jesus: «Parte daqui, porque Herodes quer matar-Te». Jesus disse: «Ide dizer a essa raposa: eu expulso demónios e faço curas hoje e amanhã; e no terceiro dia terminarei o meu trabalho. Entretanto preciso de caminhar hoje, amanhã e depois de amanhã, porque não convém que um profeta morra fora de Jerusalém» (Lc 13, 32-34). É a esta luz que devemos ler a morte violenta de Jesus, e é a esta luz que Ele a insere na sua missão: deve morrer porque assim deve viver, a morte é o destino reservado a uma vida profética! Vemos no Monte das Oliveiras como uma morte violenta não era uma coisa “agradável” para Jesus – não o podia ser, não o é para ninguém! Mas era a consequência final da sua vida, feita de rejeições e perseguições, e renegá-la era renegar a sua vida. Não é por acaso que o autor do livro do Apocalipse chama a Jesus de «a testemunha (martur, mártir) fiel» (Apc 1, 5).

Mas conhecendo o final que reservam ao seu ministério, Jesus conhece também a missão especial que lhe foi atribuída pelo Pai. Não só é um profeta isolado na história do Povo, é o Messias: nele se realizam todas as promessas de Deus, nele se inicia uma nova realidade. O Reino está inaugurado. Deus não abandonará o seu servo fiel e justo: Ele é o Cristo, o Ungido por excelência pelo Espírito: «O Enviado de Deus fala das coisas divinas, pois Deus não dá o Espírito por medida» (Jo 3, 34). «Homens de Israel, escutai estas palavras: Jesus de Nazaré foi um homem que Deus confirmou entre vós, realizando por meio d'Ele os milagres, prodígios e sinais que bem conheceis. E Deus, com a sua vontade e presciência, permitiu que Jesus vos fosse entregue, e vós, através de ímpios, mataste-l'O, pregando-O numa cruz. Deus, porém, ressuscitou Jesus, libertando-O das cadeias da morte, porque não era possível que ela O dominasse» (Act 2, 22-24). Os seus discípulos devem continuar a sua Missão de proclamar o Reino de Deus e curar os enfermos (Lc 9, 2).

É esta dinâmica que Jesus celebra e proclama na Ceia Pascal: Esta é a taça da Nova Aliança selada com o meu sangue, que é derramado por vós (Lc 22, 20). O Sangue, a Vida de Jesus, a Vida que o habita, que santifica a todos os que comungam com Ele. Comunhão que não termina ali, mas que ali verdadeiramente começa. «Fazei isto em memória de mim» (1Cor 11, 24). A sua Ressurreição é o acontecimento fundamental que inaugura a Nova Aliança: é o princípio da Salvação, de Redenção.

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