A morte de Jesus e a Redenção


Os discípulos sentiram a morte de Jesus como um fracasso. Esperavam que Jesus fosse o Messias, isto é, o filho de David que viria subir ao trono. Dois deles tentam mesmo garantir os primeiros lugares na corte. Os outros dez protestam, pois também eles esperavam coisa parecida (Mc 10, 35-45).

Mas, Jesus morreu sem subir ao trono. Também para os discípulos isto era a prova de que Deus não apoiara as suas pretensões messiânicas. Aliás, isto não era novo. Umas décadas antes também apareceram dois pseudo messias que reuniram à sua volta bastantes aderentes. Foram mortos e tudo ficou na mesma (Act 5, 36-37). Jesus teve consciência de que planeavam a sua morte. Mas nunca interpretou esta morte como uma exigência de Deus Pai. Pelo contrário, interpretou-a como um crime perpetrado pelos sacerdotes, doutores da Lei, fariseus e outros chefes do povo.

O contexto de despedida que dominou a Última Ceia revela que Jesus tinha consciência de que a sua missão histórica estava a chegar ao fim (1 Cor 11, 23-25). Mas os relatos revelam que Jesus não via a sua morte como um fracasso. Pelo contrário, dão a entender que Jesus estava seguro de que Deus ia restaurar e glorificar a sua vida. Por isso faz alusão ao vinho do banquete no Reino de Deus (Lc 22, 14-18). Mas os discípulos não entendiam esta linguagem. Esta resistência dos Apóstolos leva Jesus a interpelar Pedro com dureza, chamando-o de Satanás (Mt 16, 22-23).

Mas a experiência pascal veio alterar tudo. Esses homens que na quinta-feira à noite fugiram e, cobardemente, negaram conhecer Jesus, voltam dois dias depois, no domingo de Páscoa, dizendo que Jesus é o Messias e mostrando-se dispostos a dar a vida por esta afirmação. Por detrás de uma transformação tão radical só pode ter acontecido uma destas duas coisas: ou enlouqueceram devido ao trauma sofrido com a perda de Jesus, ou aconteceu realmente um milagre que os transformou radicalmente.

Loucos não estavam, pois, apesar de serem quase analfabetos, argumentavam com as Escrituras, ao ponto de confundirem os doutores da Lei e os sacerdotes. Então só pode ter acontecido um milagre. É esta a melhor confirmação histórica da ressurreição de Jesus. Antes da Páscoa, os discípulos entendiam as coisas segundo os critérios da carne e do sangue (Mt 16,23). Mas, após a Páscoa, diz o evangelho de João, o Espírito Santo vai conduzi-los para a verdade total (Jo 16, 13).
Após a Páscoa, a compreensão dos discípulos sobre a missão messiânica de Jesus, começa a coincidir progressivamente com a compreensão que o Jesus histórico tinha desta missão. Este ponto de referência é excelente para entendermos até onde terá chegado a consciência de Jesus acerca da sua pessoa e da sua missão messiânica.

A morte de Jesus, no Evangelho de João é o momento da sua glorificação (Jo 7, 34; 8, 21-22; 14, 2-4). É condição essencial para a difusão do Espírito (Jo 16, 7-8; cf. 7, 37-39). Desde o começo da Humanidade que o Espírito Santo actua na história humana. Em primeiro lugar como intervenção especial de Deus na criação do Homem. Mais tarde, no povo Bíblico, actua como presença revelacional. Com o acontecimento da morte e ressurreição de Jesus, o Espírito Santo realiza a dinâmica divinizante da Humanidade. É o momento em que a Humanidade entra na plenitude dos tempos, isto é, na fase dos acabamentos.

Para actuar de modo intrínseco no interior do Homem, o Espírito Santo tinha de interagir connosco em grandeza de onda humana. Isto só aconteceu devido ao facto de Jesus ser um homem em tudo igual a nós excepto no pecado. Por outro lado, isto só podia acontecer no momento em que Jesus, pelo acontecimento da morte, se libertasse das coordenadas limitativas do eu individual: coordenadas biológicas, rácicas, linguísticas, culturais e espacio-temporais.
Foi exactamente o que aconteceu pelo mistério da morte e ressurreição de Jesus Cristo. É este o sentido da afirmação do Credo, segundo a qual Jesus, ao morrer, desceu à mansão dos mortos. Por outras palavras, foi nesse momento que Jesus, homem como nós, entrou nas coordenadas da comunhão Universal, divinizando a Humanidade.
É esta a plenitude dos tempos, isto é, a fase dos acabamentos do projecto humano. Como vemos, a morte de Jesus era condição essencial para acontecer a salvação da Humanidade. Mas isto não significa que tinha de ser aquela morte cruel e muito menos pensar que esta foi uma exigência de Deus Pai. Desde os primórdios da revelação que Deus se manifestou contra os sacrifícios humanos. Com efeito, logo no começo, Deus rejeitou o sacrifício de Isaac. Segundo este relato, foi a fidelidade de Abraão que agradou a Deus e não o sacrifício de seu filho (cf. Gn 22, 1-19).
Do mesmo modo, podemos dizer que a fidelidade incondicional de Jesus Cristo à missão que Deus lhe confiara é a fonte da nossa redenção. É este o Novo Adão que nos reconduziu a Deus (Rm 5, 17-19). Podemos resumir esta ideia dizendo que, o que agradou a Deus em Jesus Cristo foi a sua fidelidade incondicional à vontade do Pai e não a morte violenta que sofreu.

Calmeiro Matias

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