Tornar-se continuação e anúncio de Cristo Redentor

Falar em Redenção significa focar a dimensão do Amor de Deus diante do nosso pecado. Chamar a Cristo “Redentor” significa perceber que o Amor Salvador e Revelador de Deus aconteceu no seio de uma Humanidade marcada pelo pecado. Isso implicou duas consequências fundamentais, uma para a Humanidade, outra para o Messias Salvador e Revelador. Houvesse ou não pecado inscrito na marcha histórica da Humanidade, a Encarnação teria que acontecer para que acontecesse a Salvação do Homem, ou seja, a sua Assunção na própria Família Divina, a sua Divinização. Além disso, seria o acontecer da plenitude da Revelação, o desbordar de Deus para a Humanidade para lhe sussurrar os segredos do Seu ser e do Seu Amor.

Mas, por haver pecado, este Amor Salvador e Revelador sofreu oposição e violência. Assim, para o Homem poder ser assumido em Deus, teve que acontecer uma libertação de todo o pecado. Falar em Redenção significa esta dimensão reconciliadora do acontecimento da Encarnação, o perdão do pecado, isto é, a recriação do Homem operada no seu coração por acção do Espírito Santo, dom de Cristo Ressuscitado. Esta é a consequência necessária para a Humanidade, ao acolher o Amor Salvador e Revelador de Deus na sua história marcada pelo pecado. E dizer Cristo “Redentor” significa, por outro lado, reconhecer o rosto doloroso do Amor Salvador e Revelador de Deus a acontecer na nossa história, Amor que não teria sofrido violência nem contestação se não tivesse sido “inventado”o pecado no coração dos Homens.

Esta dimensão da Redenção no acontecimento da Encarnação revela-nos a Fidelidade do Amor de Deus por nós, o seu carácter não desistente: nem o pecado foi capaz de fazer Deus desistir do Seu sonho a nosso respeito! E nem a morte, nem a cruz, nem o medo, foram capazes de fazer Jesus de Nazaré desistir de viver, amar e proclamar este sonho da divinização de todos os Homens: “Ainda que me matem, não me calarei! Prefiro morrer assim do que viver de outra maneira! Ainda que me matem…” E mataram-no; mas morreu como Messias Fiel. Porque há causas pelas quais vale a pena viver. E, dentro destas, há algumas pelas quais até vale a pena morrer! Hoje, ser cristão significa tornar-se seguidor do Cristo não desistente de Deus, o vitorioso sobre o pecado do Homem, o SIM destruidor do nosso NÃO.

“Na plenitude dos tempos” (Gal 4, 4) aconteceria a plenitude do Homem, a sua divinização, a sua assunção na Família Divina como filho de Deus-Pai e irmão de Deus-Filho no abraço de Deus-Espírito Santo. Era esse o projecto desde o princípio, era esse o sonho primordial do Amor, desde o tempo do barro ainda frágil, mas amado, moldado e beijado para Ser (Gn 2, 7)… “Na plenitude dos tempos” chegaria o sétimo dia do Homem, a certeza de que a vida está chamada a ser plena em Deus (Gn 1, 31)… “Na plenitude dos tempos”, só aí, viríamos a perceber toda a grandeza do Cristo sonhado por Deus, o Esperado Inesperado…

Jesus, o Cristo Salvador - Divinizador…
“Na plenitude dos tempos” chegaria também o projecto humano ao seu cume inultrapassável, apenas sonhado por Deus: ser assumido em Deus-Família é ser divinizado! Por isso “Cristo é o Primogénito de muitos irmãos” (Rom 8, 29), o dador do Espírito Santo na sua Ressurreição que configura a nossa humanização à medida da plenitude divinizada de Cristo ressuscitado, do qual “recebemos graça sobre graça”(Jo 1, 16). Somos por Graça, o que Deus é por Natureza!

Jesus, o Cristo Revelador…
“Na plenitude dos tempos” chegaria a Revelação de Deus ao Homem e a Sua proposta de Aliança ao seu cume inultrapassável. Por isso, Cristo é o “rosto visível de Deus invisível” (Col 1, 15), o vértice, o “alfa e o ómega” (Ap 22, 13) de toda a Revelação, a “Palavra Incarnada” (Jo 1, 14). Em Jesus, Deus diz-Se e diz o Seu projecto como Emanuel, Deus connosco; e pelo Espírito Santo, dom maior da Ressurreição de Jesus, Deus continua a dizer-Se e a dizer o Seu projecto no interior pessoal de cada um que se abre à Luz nova da revelação, Ele que é o “Espírito da Verdade que nos conduz à verdade total e nos faz compreender todas as coisas” (Jo 16, 13)…

Jesus, o Cristo Redentor…
“Na plenitude dos tempos”, estes dons da plenitude da Revelação e da Divinização não foram acolhidos com hinos de júbilo, porque desde os começos o ser humano criara na história a distorção do pecado… Deus que, ao criar via que “tudo era bom” (Gn 1, 4.10.12.18.21.25.31) e que, de graça, cumulava o Homem de bênçãos enquanto passeava com ele em cada entardecer no jardim primordial (Gn 3, 8), viu-se traído. No Paraíso da Bondade e da Graça o Homem introduziu a dinâmica da maldade e da possessão, fonte de todas as divisões, medos e fratricídios.
O Paraíso tinha uma árvore da qual o Homem não poderia querer ser senhor: a árvore do conhecimento do bem e do mal (Gn 2, 9). Aconteceu que o Homem comeu da árvore do conhecimento do bem e do mal, quis ser para si próprio a fonte dos critérios de bom e mau, e estragou toda a ordem primordial. Inventou a maldade e deu à luz a maldade: além de romper as relações de intimidade com Deus e com a companheira, gerou filhos que entre si se agrediram e mataram.

Deus, por Amor, tinha que tirar Adão (Adam = Homem, Humanidade, em hebraico) do Paraíso. Por Amor, tinha que o expulsar. Não era um castigo, mas sim um gesto de infinita benevolência e amor não desistente. Adão já se tinha tornado mau, por comer da árvore proibida. Deus não podia permitir-lhe sequer a possibilidade de comer também da outra árvore, a da Vida, pois isso torná-lo-ia mau eternamente! Deus não o podia permitir, por Amor… Tirou Adão do Paraíso e vedou seguramente a entrada, colocando lá dois querubins com espadas de fogo (Gn 3, 24). Adão, cabeça da Humanidade, tinha introduzido em todo o corpo o sangue podre do pecado, a possibilidade de cada Homem optar pelo seu fracasso e tornar-se motivo de desumanização para os outros (Rom 5, 12).

Mas, “na plenitude dos tempos”, Deus preparou-se para, de novo, abrir o Paraíso àquele que era a menina dos seus olhos… Eis que, por Amor e Fidelidade ao projecto do Pai, Jesus Cristo se torna a Nova Cabeça da Humanidade, e introduz no seu Corpo o Sangue Novo do Espírito Santo, “Amor de Deus derramado nos nossos corações” (Rom 5, 5). Eis que em Cristo e pelo Espírito nasce uma Nova Humanidade, “não por vontade da carne nem do sangue, mas por vontade de Deus” (Jo 1, 13), reconciliada e recriada na mesma Bondade e Graça que Deus manifestara no princípio.
Porque o Homem inventou o pecado, a plenitude do Seu projecto (a divinização do Humano) implicou necessariamente a dimensão da reconciliação e da libertação do pecado. Por isso Cristo é o Redentor, porque nele fica a Humanidade definitivamente reconciliada com Deus numa Nova Aliança familiar Humano-Divina, e pelo Espírito Santo da sua Ressurreição chega ao coração dos Homens de todos os tempos a superabundância do perdão do pecado. “Onde abundou o pecado, superabundou a Graça e o Perdão!” (Rom 5, 20). Por isso estamos redimidos, porque mudámos de mãos: já não somos de Adão, somos de Cristo! (Rom 5, 15-20)

Agora, os dois querubins que guardavam a entrada do Paraíso podem dormir descansados. Reformaram-se no momento da Ressurreição de Jesus e imediatamente entraram com Ele milhões de Homens de todos os tempos e lugares que ainda eram apenas a eternidade da sua vida humanizada, mas não tinham atingido a plenitude da sua vida divinizada. Nesse momento, de mãos dadas a Cristo Ressuscitado, todos atingiram a plenitude ao saborearem os frutos frescos, saborosos e abundantes da Árvore da Vida Eterna. “No meio da praça da cidade, nas margens do rio de Água Viva que saía do trono de Deus e do Cordeiro, está a Árvore da Vida…” (Ap 22, 1-2). O projecto chegou ao fim. O sonho divino chamado “Homem” chegou já à última etapa, a da Plenitude. Porque o fim do Homem não é um termo, mas uma plenitude!

Deus não desistiu do Homem. Desde aqueles começos em que Adão fugiu, já Deus o perseguia: “Adão, onde estás? Onde estás? Eu não desisto de te encontrar… Onde estás?” (Gn 3, 9). O pecado do Homem não é capaz de derrotar o Amor de Deus. Foi capaz de dar à Revelação plena desse Amor uma face dolorosa, na cruz de Jesus, mas não foi capaz de o anular.

A Redenção é este Amor invencível, não desistente e recriador que assumiu até uma face dolorosa. Cristo Redentor tem o rosto de um Homem Crucificado. Ser cristão é configurar-se quotidianamente como anunciador e continuador de Jesus Cristo como o Revelador e Realizador em plenitude do Amor libertador de Deus, que não desiste de conduzir o Homem permanentemente às Sua mãos recriadoras onde, desde o princípio, tudo se torna Bom…

2 comentários:

Sol da manhã disse...

"Agora, os dois querubins que guardavam a entrada do Paraíso podem dormir descansados. Reformaram-se no momento da Ressurreição de Jesus e imediatamente entraram com Ele milhões de Homens de todos os tempos e lugares que ainda eram apenas a eternidade da sua vida humanizada, mas não tinham atingido a plenitude da sua vida divinizada. Nesse momento, de mãos dadas a Cristo Ressuscitado, todos atingiram a plenitude ao saborearem os frutos frescos, saborosos e abundantes da Árvore da Vida Eterna."

EHEHEHEHEHEHEHEHEHEHEHEHEHEH

Que imagem DELICIOSA, Rui Pedro!


Mas a que vem logo a seguir não fica nada atrás...



"Deus não desistiu do Homem. Desde aqueles começos em que Adão fugiu, já Deus o perseguia: “Adão, onde estás? Onde estás? Eu não desisto de te encontrar… Onde estás?” (Gn 3, 9). O pecado do Homem não é capaz de derrotar o Amor de Deus."

Um Deus a perseguir o Homem! Que espectáculo!


Lembrou-me que quando os miuditos fazem asneiras ficam muito caladinhos e sossegadinhos, sem fazer barulho nenhum! Lembrei-me de algumas que os meus primos faziam e era terrível, quando estavam muito sossegados. AHAHAHAHAAHAHAHAHAH Quando os miúdos estão muito quietos, é sinal de "alguma fizeram, e coisa boa não é!". AHAHAHAHAHAHAH E como o Adão as culpas são sempre do outro que com eles está a fazaer asneira...Então, lá vão os pais a procurá-los... com a sua infinita paciência, com o seu infinito amor... É engraçado!

E é muito bonito! No outro dia, fui dar a Oseias e encontrei a explicitação deste amor maternal/paternal de Deus, assim de uma forma que me encantou muito cá dentro:

"Quando Israel era ainda menino,
Eu amei-o, e chamei do Egipto o meu filho.
Mas, quanto mais os chamei,
mas eles se afastaram;
ofereceram sacrifícios aos ídolos de Baal
e queimaram oferendas a estátuas.
Entretanto, Eu ensinava Efraim a andar,
trazia-o os meus braços,
mas não reconheceram
que era Eu quem cuidava deles.
Segurava-os com laços humanos,
com laços de amor,
fui para eles como os que levantam
uma criancinha contra o seu rosto;
inclinei-me para ele para lhe dar de comer..."


Obrigado, por este bocadinho redentor!


SHALOM

Rui Vasconcelos disse...

Sem dúvida, Maria, é incrivel como em Israel se descobre este mistério de fé!

Este texto é do Rui Santiago: a imagem dos dois anjos/querubins que surgem no Génesis e em Jo20,12 a Maria. É espetacular a proclamação da 1Pe 3,19: Cristo Ressuscitado foi proclamar ao Scheol o Evangelho da Vida!

Hoje, a preparar um encontro, pude voltar a descobrir esta lógica bíblica de Deus: que vem ao nosso encontro, que nos procura, desde Abraão que regressa do Oriente para onde Adam havia sido expulso, o Deus que vê, ouve, conhece, desce ao seu Povo para o libertar de Ex3, até ao poema de 1Jo4: Deus é Amor, revelado em Jesus, o Filho, um Amor que não fomos nós a começar...

Um grande abraço!