II. Penetrar
o mistério hoje
Em algumas partes do mundo moderno, as pessoas, embora rejeitando a
pertença a qualquer denominação, mesmo assim utilizam a linguagem religiosa
para expressar uma busca de sentido na vida. Um sociólogo contemporâneo
descreve a situação da Europa Ocidental como um “acreditar sem pertencer”. Pode-se
perceber um anseio por algo mais na vida, uma busca de sabedoria, um interesse
por novas formas de espiritualidade, uma paixão pela justiça, um apreço pela
beleza e pelo valor essencial das relações interpessoais. Os confrades que
estudam as tendências contemporâneas na literatura, no cinema, na arte e na
música vislumbram nessas expressões culturais uma persistente busca de uma
experiência de algo parecido com a redenção. Diversas expressões de
religiosidade popular manifestam um anseio e uma busca semelhantes.
A fome de redenção se exprime também em mudos
clamores e em anseios inconfessados. Podemos ouvi-los no desamparo e na
frustração dos marginalizados, dos excluídos e dos assim chamados “novos
pobres”. Uma percepção muito difusa da fragmentação da vida moderna, na qual os
vários aspectos da vida parecem tão desconexos um do outro, também provocam um
real mal-estar e uma tímida esperança de alívio. As pessoas angustiadas,
solitárias e sofredoras de todos os tipos têm a vaga sensação de que “está
faltando alguma coisa”; de que deve haver um modo melhor de se viver.
Não obstante seja verdade que muitas pessoas
possam sentir fome de alguma espécie de redenção, essa necessidade não leva
obrigatoriamente à busca de um Redentor. Com freqüência a resposta é procurada
num tipo de auto-redenção, como se comprova pela variedade de programas de
auto-ajuda que não estão ligados a um Redentor. Procura-se alívio para as
ansiedades da vida moderna também mediante o recurso ao folclore, à magia ou à
superstição.
Para darmos testemunho da abundante redenção dentro da inspiração carismática
de Afonso de Ligório, não temos outra escolha senão fortalecer nossa vida com o
Redentor. Já que o nosso Fundador uniu fundamentalmente nossa própria raison
d’être com a missão de Jesus Cristo, a missão de Jesus é o modelo
segundo o qual julgamos a nossa. Devemos estar convencidos de que crer em Jesus
Cristo é esperar como ele esperou; que seguir a Jesus Cristo é continuar e
prolongar na história a sua missão e amar como ele amou a ponto de dar nossas
vidas; que segui-lo é permitir que sejamos cativados por ele e pela causa de
sua vida. Afonso nos convida a redescobrir o Deus de Jesus Cristo, um Deus que
está apaixonadamente enamorado da humanidade; um Deus que ouve os clamores dos
pobres e que não fica indiferente perante a injustiça. Deus revelou-se a si
mesmo como Boa Nova para os empobrecidos, dignando-se cumular da plenitude de
Deus os seres humanos (Ef 3, 19) por causa do auto-esvaziamento solidário de
Cristo (Fl 2, 5-11).
Assim, a proclamação da abundante redenção na
tradição redentorista não é primeiramente nem principalmente a apresentação de
fórmulas de fé ou de códigos de moral; é um convite a uma relação pessoal com
um Deus apaixonado, um Deus de amor que em troca deve ser amado. Para Afonso é
muito o que está em jogo. Uma de suas orações lamenta que o mundo está “cheio
de pregadores que pregam a si mesmos [e não Jesus Cristo], ao passo que o
inferno está cheio de almas.” Todavia, com uma insistência que questiona a
nossa antiga reputação de pregadores do “fogo e enxofre”, Afonso sustenta que
as conversões baseadas no medo do castigo divino não são duradouras. Por isso,
durante as missões o principal dever de cada pregador é acender em seus
ouvintes o fogo do amor divino. Embora não usemos mais a linguagem do enxofre
para conquistar a atenção de nossos ouvintes, poderíamos porém nos perguntar se
a nossa pregação tem se tornado insípida ou superficial quanto ao conteúdo.
Usamos toda a criatividade e paixão à nossa disposição a fim de pregar Jesus
Cristo Redentor numa linguagem que o povo, especialmente os pobres abandonados,
é capaz de entender hoje?
Se a nossa missão perde seu centro em Jesus
Cristo, sua luz se extinguirá e ela se tornará insípida; será como o sal que
não serve para nada e tem de ser jogado fora.
Creio que reconhecer a missão da Congregação no
mistério de Jesus Cristo traz importantes conseqüências para nós. Essa identificação
deve provocar uma real admiração e respeito pela nossa vocação de
colaboradores, companheiros e ministros de Jesus Cristo na grande obra da
redenção” (Const. 2), porque participamos de um impulso que encontra sua origem
no mistério da Santíssima Trindade. O planejamento pastoral, que deve dar
atenção a metas, objetivos, planos de ação e avaliação, deve também ser fruto
de oração contemplativa, de meditação e lectio divina, pois aí
estamos lidando com coisas sagradas, e não simplesmente utilizando princípios
de gerenciamento.
Ao procurarmos tornar mais evidente através do
dom de nossas vidas o impulso divino para a humanidade inteira, jamais podemos
cessar de buscar e questionar. Não há espaço para a auto-satisfação ou para a
complacência burguesa em nossa vocação. Lembram-se da história que Afonso conta
a respeito de um eremita que certo dia encontrou um príncipe na floresta? O
príncipe lhe perguntou o que ele estava fazendo lá. O eremita respondeu com uma
pergunta: “Senhor, o que estais fazendo neste lugar solitário?” Quando o
príncipe lhe respondeu que estava caçando animais selvagens, o eremita
replicou: “E eu estou caçando Deus,” e prosseguiu seu caminho. Se é verdade que
muitos de nossos contemporâneos estão em busca do divino ou, pelo menos, de algum
sentido último em suas vidas, imaginem o vigoroso testemunho de nosso trabalho
pastoral e da nossa vida comunitária como lugares onde as pessoas estão “caçando”
Deus! E acabam sendo redentoramente “caçadas” nos laços amorosos do nosso Deus
que, em Jesus Cristo, é sempre para a Liberdade que nos atrái.
Creio que hoje a Congregação é chamada a
exprimir a inspiração carismática de Afonso num dinâmico processo de solidariedade.
Solidariedade é compaixão, pois ela nos compromete com a luta histórica dos pobres
e fracos deste mundo e nos associa aos que estão abandonados e sem esperança. A
solidariedade nos chama a dar “atenção especial aos pobres, aos mais fracos e
oprimidos”, já que “a evangelização deles é sinal da obra messiânica” (Const.
4). Jesus não apenas escolheu identificar-se de modo especial com os
marginalizados (Mt 25, 40) mas, em sua encarnação e no seu mistério pascal,
Deus expressa solidariedade radical e irrevogável com os seres humanos.
Não podemos perder de vista o fato de que somos
peregrinos que partilham uma promessa e um sonho. A solidariedade, que Deus
estabeleceu no Redentor, já está agindo numa espécie de luta que culminará na
consumação da Criação, e assim a nossa visão não é cerceada pelos limites do
tempo presente, e nós rejeitamos o cinismo bem como a veleidade. Deus está
fazendo novas todas as coisas e somos convocados para trabalharmos juntos
enquanto mantemos nossos olhos fixos num novo céu e numa nova terra que é
prometida através de Cristo.
No Santíssimo Redentor,
Joseph
W. Tobin, C.Ss.R.
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