O trato familiar com Deus

«Pasmava-se o santo Job em considerar o nosso Deus assim tão aplicado a fazer bem ao Homem, que parecia que o Seu coração não tinha maior atenção que amar e fazer-se amar do Homem; onde falando com o Senhor exclamava: “O que é o Homem, para lhe dares importância, e fixares nele a tua atenção?” (Job 7, 17). Aqui se vê ser um engano que lidar com Deus com grande confidência e familiaridade seja faltar ao respeito à sua majestade infinita.

Se queres deves, alma devota, com toda a humildade respeitá-lo e humilhar-te na sua presença, especialmente no recordar-te das ingratidões e ultrajes que no passado lhe infringiste: mas isto não deve impedir-te de lidar com ele com o amor mais terno e confidente que te seja possível. Ele é majestade infinita, mas também é bondade infinita e amor infinito. Tens em Deus o Senhor mais sublime que te pode existir mas tens ainda o maior amante que podes ter. Ele não desdenha mas alegra-se que tu o trates com aquela confidência, liberdade e ternura com que os garotos tratam as suas mães.

Eis como Ele nos convida a andarmos aos seus pés, e as carícias que nos promete: “Os seus filhinhos serão levados ao colo, e acariciados sobre os seus regaços. Como a mãe consola o seu filho, assim eu vos consolarei” (Is 66, 12-13). Como uma mãe gosta de colocar o seu filho sobre os joelhos, e assim alimenta-lo e acaricia-lo; como igual ternura gosta o nosso bom Deus de lidar com as almas suas dilectas que a Ele se entregaram totalmente, e que colocaram toda a sua esperança na sua bondade.

Não te esqueças nunca da sua doce presença, como faz a maior parte dos homens. Fala-lhe o mais frequentemente possível, que Ele não se cansa nem o despreza, como fazem os senhores da terra. Se tu o amas, não te faltará dize-lo. Diz-lhe o que te acontece, a ti e aos teus assuntos, como o dirias a um amigo querido. Não o consideres como um príncipe altivo, que não quer lidar senão com os grandes, e só de grandes coisas. Ele se agrada, o nosso Deus, de abaixar-se a tratar connosco, e gosta que nós lhe comuniquemos os nossos afazeres mais pequenos e triviais.

Ele ama-te tanto e tem tanto cuidado por ti, como se não tivesse de pensar em mais ninguém senão em ti. Ele é assim aplicado nos teus interesses, que parece que não conserva a sua providência senão para socorrer-te, a sua omnipotência senão para ajudar-te, a sua misericórdia e bondade senão para compadecer-se e fazer-te bem, e para ganhar com as suas cortesias a tua confidência e o teu amor. Revela-lhe pois com liberdade todo o teu interior, e pede-lhe que te guie a seguir perfeitamente a sua santa vontade; e todos os teus desejos e projectos sejam somente para encontrar o seu beneplácito e contentar o seu Coração Divino: Revela Senhor as tuas vias (Sal 37, 5); E pede-lhe para que os teus caminhos sejam rectos, e para que todos os teus projectos e conselhos sejam bem encaminhados (Tob 5, 19).»

MODO DE CONVERSAR CONTINUA E FAMILIARMENTE COM DEUS, escrito em 1753

1 comentário:

Sol da manhã disse...

Que textos mais bonitos!!!...
pôssa... que beleza! QUE BELEZA!

Podia ser muita teimoso e ter um feitiozinho difícil, mas... mas... mas...

Pôssa...

Hoje, nem me atrevo a ler o terceiro...