Presbítero em Nápoles

Como padre, Afonso continua o seu trabalho em Nápoles. Será bastante requisitado como pregador, orientador de retiros, formação de padres e religiosas e sobretudo nas missões populares, onde começará a assumir papéis de liderança. Mas se Nápoles tem padres em excesso, qual o motivo pelo qual Afonso foi tão requisitado? Aqui fazemos o nosso primeiro parêntesis, para conhecermos uma característica sua e de todos os missionários redentoristas: ter a Cristo como centro do seu anúncio e a sua linguagem simples e familiar.

No tempo de Afonso, as homilias e pregações eram mais um exercício de retórica, de saber discursar, do que propriamente anúncio do Evangelho. Os pregadores preocupavam-se mais por “adoçar” a sua linguagem, utilizar grandes recursos estilísticos, frases e conceitos complicados, do que transmitir a verdade de Deus. As pessoas saíam admiradas com a linguagem mas sem poderem saborear nenhuma novidade do Evangelho de Jesus Cristo.

Afonso optará por colocar Cristo, a Sua Boa-Nova no centro do seu anúncio. Num tempo em que o apelo à conversão se dava incutindo nas pessoas o medo do juízo final e da condenação, Afonso procura a conversão pelo amor a Jesus Cristo, prova plena do amor primeiro do Pai. Só esta é a verdadeira conversão, a que resiste a todos os “ventos contrários”, na sua linguagem. Ao anunciar a Boa-Nova, Afonso utiliza uma linguagem muito simples e familiar, reduzindo o uso do latim nas homilias ao máximo (contrariamente ao costume); não procura o brilho pessoal, mas a compreensão da Fé e, a partir daí, o amor a Jesus Cristo, que morreu na Fidelidade e ressuscitou no Amor.

O muito interessante é que as igrejas onde pregava se enchiam, e não era só de pessoas simples e analfabetas, mas também de muitos nobres. O seu pai procuraria ouvi-lo. Antigos colegas seus dos tribunais também. O Evangelho é anunciado a todos.

Vimos como o pai de Afonso lhe sonhava uma “carreira” na Igreja. Mas é evidente que os verdadeiros apóstolos não são de “carreira”, mas Enviados (é isso que significa literalmente Apóstolos). Afonso nunca procurará os benefícios das classes favorecidas, dirigir-se-á às periferias de Nápoles. Continua o seu trabalho no Hospital dos Incuráveis. Acompanhará os presos e os condenados à morte, mesmo até à hora da execução. Numa palavra, que será outra característica sua e de todos os redentoristas: o envio aos pobres.

“O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu para anunciar a Boa-Nova aos pobres” (Lc 4, 18). Este será um verdadeiro sentido de vida para Afonso, e a própria razão de ser, mais tarde, da Congregação do Santíssimo Redentor. Afonso dirige-se aos abandonados, àqueles que, em Nápoles, não são acompanhados nem lhes é anunciado o Evangelho, apesar do excessivo número de padres. Participa e lidera missões de intensa evangelização. Será neste espírito e neste zelo que mais tarde será levado a sair de Nápoles.

Mas atenção! Afonso acolhe todos os que, nele, procuram a Deus. No seu confessionário e nas suas igrejas veremos muita gente de classes nobres e importantes – também estes têm as suas questões essenciais. A diferença é que, enquanto acolhe estes, procura e dirige-se aos mais abandonados, economicamente e, sobretudo, espiritualmente.

Afonso é um evangelizador, quando fala e quando escuta. Ficará célebre como confessor e, mais tarde, como teólogo moral. Vivemos numa época de grande rigorismo moral. Os medos são incutidos às pessoas desde muito novas. O mínimo motivo serve para padres recusarem a absolvição no sacramento da reconciliação e a comunhão na eucaristia. Como já referimos, falava-se mais do temor do que do Amor de e a Deus. A grande preocupação era a preparação para o dia da morte, entendido como dia de juízo.

Afonso era atento, e embora tivesse crescido e estudado neste clima, começou a compreender, na prática do trabalho pastoral, que a conversão não se dava pelo medo. Nápoles caracterizava-se por ter, lado a lado, o maior fervor religioso e critérios nada originados no Evangelho. Este não era anunciado. Seguindo o exemplo de Cristo, que revela em pleno o perdão misericordioso do Pai, Afonso acolhe no seu confessionário os pecadores em vez de os afastar, pois “não são os que têm saúde que precisam de médico, mas os que estão doentes. Não foram os justos que Eu vim chamar ao arrependimento, mas os pecadores” (Lc 5, 31-32).

Enquanto em Nápoles, a obra missionária mais importante de Afonso serão as chamadas “Capelas do Entardecer”. Na sua preocupação evangelizadora, Afonso começa a reunir, à noite depois do trabalho, muitas pessoas para lhes anunciar o Evangelho. Esses encontros começam por dar-se numa praça de Nápoles, numa das zonas mais pobres. Todas as noites, são momentos de oração e compreensão de temas da fé. O sucesso é tão grande que depressa outros padres virão auxiliar Afonso e depressa não serão suficientes. As pessoas são muitas, e começam a dar que falar em Nápoles. Então Afonso toma uma decisão, levado pela necessidade, única no seu tempo: coloca leigos em papéis de liderança.

Começa por formar uns quantos leigos, os melhor preparados e disponíveis e, muito importante na época, os que sabiam ler. Deixa-lhes pequenos textos muito simples e canções da sua autoria e encarrega esses leigos de reunir, nas suas casas, pequenos grupos, ler-lhes algum texto sobre a fé, cantarem e rezarem juntos. Afonso e os seus colegas comprometem-se a acompanhar essas assembleias. O problemas é que muitas, ficando à espera do fundador, tinham de começar sozinhas, tanto era o trabalho.

Dá-se o milagre: numa cidade com padres a mais, barbeiros, comerciantes, ex-soldados reformados começam a orientar esses grupos e eles não param de crescer. Afonso, todos os dias, vai passando em alguma “Capela do Entardecer”. Será muito acompanhado por um futuro santo redentorista, também ele ex-advogado, de nome Gennaro Sarnelli. Mais tarde, já Afonso terá saído de Nápoles e terá passado meio século, visitará as suas capelas esporadicamente, aproveitando algum trabalho na cidade. No final do séc. XIX contam-se cerca de 30 mil pessoas a frequentar as “Capelas do Entardecer”.

Assim, dois séculos antes de se tornar assunto “oficial”, numa altura em que ainda não se levantavam as questões quanto à falta de padres, Afonso lança o apostolado dos leigos. Nas suas missões, nas zonas rurais, preocupar-se-á por deixar nas pessoas os hábitos de encontro em grupos para meditação e oração, sem a absoluta necessidade da presença de padres. Será outro ponto que o caracterizará. Cada pessoa deveria criar o seu próprio ritmo de oração, preparando Afonso pequeninos livrinhos para o apoiar. Um dos carismas dos missionários redentoristas é a fundação de comunidades.

Uma grande preocupação de Afonso, quando anunciava o Evangelho, era levar as pessoas à conversão: levá-las ao amor a Deus e à procura da Sua vontade; aquele era possibilitado quando as pessoas conheciam a vida de Jesus Cristo como a Revelação por excelência do Amor do Pai. A procura da vontade de Deus dava-se pela oração. Mas as pessoas nunca poderiam ser obrigadas a isto, pelo medo; tinha de ser por opção pessoal, por resposta de amor. E por isso encontramos estes milagres do Espírito Santo pela mediação de Afonso.

Mas o que principalmente caracterizava Afonso enquanto missionário era o seu zelo apostólico: a necessidade que sentia de levar a Boa-Nova de Cristo a todos os que O não conhecessem ou não O conhecessem como Boa-Notícia. Isso fazia-o sonhar com territórios longínquos como a China, terra de numerosos mártires, ou o Cabo da Boa-Esperança, onde a Igreja ainda não chegara. Enquanto permanece em Nápoles, prepara-se para este projecto, e toda a vida alimentá-lo-á. O seu zelo apostólico levá-lo-á, de facto para um mundo completamente diferente, mas dentro do Reino de Nápoles.

6 comentários:

Sol da manhã disse...

Eu sabia a história de Afonso de Ligório, mas não assim ao detalhe, e estou a gostar muito de ir lendo todos os dias mais um pouco!

Estava a ler este post quando li:

"Então Afonso toma uma decisão, levado pela necessidade, única no seu tempo: coloca leigos em papéis de liderança."

Hein?!!! Então, numa cidade onde há padres em excesso foi necessário recorrer a leigos?

E logo a seguir sorri comigo mesma... Daaaahhh!!! Foi onde o Espírito Santo encontrou espaço!!! Onde habitavam as preocupações pelo carreirismo eclesiástico nos consagrados religiosamente, espaço para a evangelização não deveria existir.

...hummm...

Amanhã volto, para saborear mais um pouco.

Até já!

Rui Vasconcelos disse...

É verdade, Maria, foi mesmo assim: a experiencia das Capelas do Entardecer começou com um pequeno grupo sob a liderança de Afonso e outros companheiros, mas cresceu de tal maneira que se tornou impossível acompanhá-los a todos! Assim, quem disponibilizava a casa (tipo a parte de trás de uma barbearia, por exemplo) animava os encontros, cantando e lendo algum texto de meditação.
Afonso devia conhecer os padres do seu tempo tão bem, que depois, quando preparou a missão redentorista nas paróquias, pensou-a como sendo independente dos párocos! Ou seja: as próprias pessoas eram preparadas para, depois da missão, continuar, sozinhas, o ritmo de oração e meditação iniciado nela!
Na maioria dos locais por onde Afonso passava (zonas rurais ou arredores de Nápoles), os párocos não tinham formação teológica, eram ordenados pelo bispo após um exame mínimo de... latim.
E de facto, a situação não mudou por aí além, por isso continuam a ser precisos evangelizadores...
Até já!

Sol da manhã disse...

Andei o dia todo a pensar no que me disseste...

E nesta "fome" (in)explicável que o ser humano leva dentro... seja no século XVIII, seja no século XXI, seja no século I... uma "fome", um desejo tão forte de todos os tempos... independente de saberes académicos, económicos, sociais até culturais.

As "Capelas do Entardecer" só tiveram o "sucesso" que tiveram porque havia esta "fome" no coração dos napolitanos...

Rui Pedro, o que é significa a palavra missionário? ( de vez em quando dá-me para pensar nas palavras, que dizemos tantas vezes, sem pensar nelas... entretanto fui ao dicionário,mas não fiquei satisfeita...)


Evangelizador, eu "apanho" na boa... é fácil, mas missionário... hummm... qual é a etimologia de missionário?

Até já!

Rui Vasconcelos disse...

Missionário? Bem, nunca me deu para fazer um exame à palavra, mas sempre assumi que vem de Missão, que em latim é Missio, e "fazer missão" é Missionare (sem te dar 100% de certeza, mas posso investigar).

Se aceitas a minha experiencia pessoal, quando me apresento como missionário é porque assumo que a minha vida está ao serviço (sempre em crescimento) de uma missão, que é a de anunciar o Evangelho de Jesus, o Evangelho do Reino.

Na nossa tradição,era mais comum chamarmo-nos "Padres redentoristas" porque os "irmãos" (redentoristas não-padres) não desempenhavam um papel de relevo na evangelização nem tinham grande formação (embora com Afonso, os primeiros "irmãos" eram em pessoas formadas, advogados em geral que entravam tarde na Congregação, e parece que, se os padres pregavam, eram os "irmãos" que acolhiam e aconselhavam as pessoas no dia-adia!)

Coma reforma do Vaticano II, deixamos o nome de "padres redentoristas" e escolhemos mais o "missionários redentoristas" porque ganhou-se uma nova consciencia de que a Missão (e a entrega de vida) não depende tanto da ordenação presbíteral, mas sim da profissão religiosa, um acto publico em que declaramos a nossa opção de vida.

Ah, é verdade! É muito interessante que, quando perguntavam a Afonso qual era missão da Cssr, ele tinha a lata de dizer que era a própria missão de Jesus, baseando-se no texto que ontem partilhaste no teu blog: "O Espírito do Senhor está sobre mim, ele me ungiu para anunciar o Evangelho aos pobres...". E nós... continuamos isso! (pelo menos procuramos, claro) Na tradição biblica, a Missão vem da Eleição ou Consagração que Deus faz pela Palavra e pelo Espírito: elege Israel, para ser um povo de mediação da Aliança, elege os profetas para anunciarem e denunciarem, elege os reis para aplicarem a justiça, etc, etc...

Desculpa a extensão da minha resposta, trata-se de facto de um tema impressionante.
Um grande abraço Maria!

Rui Vasconcelos disse...

P.S: já investiguei a origem etimológica, e afinal enganei-me: missio é o substantivo do verbo mitto, que significa Enviar, Lançar. Missio é a acção de enviar. O enviado, como adjectivo, é missus (embora o mais corrente fosse legatus). Trata-se, portanto, de uma origem sem conotação religiosa, como é normal, talvez ligada aos funcionários do imperador.

Missionare, afinal... não existe! O infinito do verbo em latim é mittere. Segundo um dicionário, missionário foi adaptado para o portugues do francês missionaire, embora parece-me que a origem latina seja missio, envio.

É o que te posso adiantar... e obrigado pela oportunidade de rever o latim, depois de tanto esforço a tentar esquecer... HEHE!
Um abraço!

Sol da manhã disse...

EHEHEHEHEH

Acho que acabámos os dois por aprender alguma coisa!!! EHEHEHEH
Eu vou tentar não fazer mais nenhuma pergunta que remeta ao latim... vou tentar, mas não prometo...EHEHEHEH

Muito Obrigado, senhor MISSIOnário!

" e parece que, se os padres pregavam, eram os "irmãos" que acolhiam e aconselhavam as pessoas no dia-adia!" Isto é muito interessante, Rui Pedro! Muito interessante... deixou-me a pensar no dia de ontem...

Estou a gostar mesmo disto... mesmo, mesmo!

(bom já fiz o meu intervalito, agora tenho que trabalhar... amanhã, leio um pouco mais da história de Afonso!)

E mais uma vez, Muito Obrigado!

Até já!